sexta-feira, 29 de maio de 2015

SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE - ANO B

31 de maio de 2015

Leituras

               Deuteronômio 4,4b-6.8-9
               Salmo 32/33,4-6.9.18-20.22
               Romanos 8,14-17
               Mateus 28,16-20

“EIS QUE EU ESTAREI CONVOSCO TODOS OS DIAS, ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS”


1- PONTO DE PARTIDA

Com a festa de Pentecostes, encerramos a Tempo Pascal e, no domingo seguinte, celebramos a festa da Santíssima Trindade. É uma festa relativamente recente. Entrou no calendário da liturgia romana em 1334 e, como Concílio Vaticano II, deixou de ser temática, recebendo uma tonalidade mais bíblica.

            A liturgia sempre celebra a Páscoa do Senhor, o Salvador, e por Ele dá graças ao Pai, o Criador, no Espírito de Amor, o Santificador. Portanto, toda celebração é Trinitária e a Páscoa, celebrada o ano inteiro, nos faz mergulhar no mistério inefável da Trindade Santa, fonte, modelo e meta do peregrinar da humanidade. Portanto, depois de celebrarmos as festas pascais, contemplamos o mistério de amor do nosso Deus que se revela como Pai, Filho e Espírito Santo.

            Com isso, a festa de hoje faz uma síntese, juntando o sentido da encarnação e da redenção realizados na história, onde o Deus Vivo, a Comunhão Trinitária, é protagonista. Não é a festa para desenvolver a doutrina sobre a Santíssima Trindade, mas para renovação da aliança com o Pai que nos criou e nos libertou, entregando-nos o dom da vida plena em Jesus Cristo, seu Filho amado, o Verbo encarnado que, por sua vez, nos confiou com sua morte e ressurreição o dom do seu Espírito.

            A celebração de hoje nos ajuda a compreender e descobrir que Deus não é solidão infinita, mas comunhão de luz e de amor, vida doada e recebida num eterno diálogo entre o Pai e o Filho, no Espírito Santo Amante, Amado e Amor, como dizia Santo Agostinho.

2- REFLEXÃO BÍBLICA, EXEGÉTICA E LITÚRGICA

            Primeira leitura – Deuteronômio 32-34.39-40. Logo de início se percebe claramente que os teólogos deuteronomistas – visando sempre explicar a causa da catástrofe dos dois reinos israelitas (cf. 2Reis 17 – fazem com esta passagem uma catequese sobre Javé o Deus de Israel.

            A leitura trata de um comentário do primeiro mandamento da Lei de Deus: Israel será monoteísta, isto é, adorar um Único Deus. Como poderia ser de outra forma uma vez que o Senhor deu tantos indícios da escolha que fizera de Israel?

            Por isso, é uma meditação da história da salvação que consolida a fé ao autor do Deuteronômio no Deus Único. Esta história chega ao auge de modo especial nos três acontecimentos decisivos que são, ao longo do Deuteronômio, a promessa aos patriarcas (versículo 32; cf. Deuteronômio 1,10; 26,5), a saída do Egito (versículos 32-37; cf. Deuteronômio 4,20; 5,6; 7,8; 9,26) e, finalmente, a entrada em Canaã e a promulgação da lei (versículo 31: “Aliança”; cf. Deuteronômio 4,21; 12,9). Dois textos importantes do Deuteronômio (6,21-23; 26, 5-10) guardam também estas três etapas como sendo as mais importantes para a elaboração de uma doutrina da história da salvação.

            O Deuteronômio é o primeiro livro a tomar uma consciência clara da história da salvação. Três acontecimentos antigos prendem especialmente sua atenção: Deus se fez próximo de Israel engajando-se por promessa diante dos patriarcas, indo atrás do povo exilado no Egito e introduzindo-o na terra prometida. Um mesmo e Único Deus está na origem destes três acontecimentos: por que não estaria também na origem  dos acontecimentos que nos interpelam? Deus é único, portanto, seu amor dura eternamente.

            Esta leitura apresenta Javé, o único Deus, e conseqüentemente, desmascara os ídolos que oprimem o povo. Só quem livra o povo da escravidão é que deve ser considerado Deus de Israel.

            Não é um Deus de conceitos, mas alguém que age a favor do seu povo. E a fé não é abstrata, porém está apoiada na história, na experiência do Deus vivo, que atua libertando para que todos tenham vida. Javé, o único Deus, tirou Israel do Egito, falou-lhe no Sinai e deu-lhe a terra prometida: estas são as grandes ações de Deus que o povo sempre deve celebrar. Deu a lei conforme Israel podia assimilar. Mas o que Ele quer dar mesmo, não só a Israel, mas a todos nós, hoje é o seu Espírito. Espírito que nos ajuda a retomar a experiência do passado e nos convida a viver no presente a Aliança de Deus, em todas as circunstâncias da vida pessoal, comunitária, social e política.

            É na caminhada de nossas comunidades que Deus Único continua presente, suscitando liberdade e vida. É um Deus próximo, acessível, que fala conosco, nos acompanha: Ele conta com a amizade de seu povo. Não é um Deus indiferente à nossa realidade.

            Salmo responsorial – 32/33, 4-6 e 9.18-20 e 22. O Salmo 32/33 é um hino á providencia de Deus. É um louvor, salientando duas características de Deus: Ele é o Criador e o Senhor da história e de toda a humanidade. Louvor cantado durante ou após o Exílio da Babilônia (587-530 a.C.), quando o povo começou a conhecer Deus como Criador. Com este Salmo, louvamos a Deus que é aliado da humanidade e com ela quer construir um mundo de justiça e direitos iguais para todos.

Neste salmo há duas características fortes do rosto de Deus: Ele é o Criador e o Senhor da história. Não é somente o Deus de Israel, mas de toda a humanidade. O versículo 5 resume isso de forma clara: ele ama a justiça e o direito, e seu amor enche a terra”. Este Salmo nos apresenta o Deus que deseja a justiça e o direito no mundo inteiro, e não somente em Israel. Podemos afirmar, então, que estamos diante de Deus, o aliado da humanidade. Ele quer, com todos os seres humanos, construir um mundo de justiça. Deseja que o mundo inteiro o tema e experimente o seu amor.

O Novo Testamento vê Jesus como a Palavra criadora do Pai (João 1,1-18) e como réu universal. A paixão segundo João o apresenta como rei do mundo inteiro, um rei que dá a vida para que a humanidade possa viver plenamente. A própria ação de Jesus não se limitou ao povo judeu, mas abriu-se para outras raças e culturas, a ponto de Jesus encontrar mais fé fora do que dentro de Israel (Lucas 7,9).

Agradeçamos ao Senhor o seu amor que se revela na criação do mundo, na caminhada de libertação do seu povo e em nossa vida. Entoando este salmo na celebração de hoje, peçamos que o Senhor renove todas as coisas e nos confirme na fé e na aliança do seu amor fiel.

FELIZ O POVO QUE O SENHOR ESCOLHEU POR SUA HERANÇA.

Segunda leitura – Romanos 8,14-17. Este trecho da carta aos Romanos pode ser considerado como o seu centro. Nesse mesmo trecho chega ao cume o ensinamento paulino, “nós somos filhos, Deus é nosso Abbá-Papai”. O que diferencia o Cristianismo das outras religiões pode resumir nessa afirmação. As religiões falavam da paternidade divina enquanto criador, fonte de vida, não enquanto fonte de amor e misericórdia. O Judaísmo conheceu esse amor de Deus, mas se perdeu na complicação das leis e questiúnculas, lembrando mais o temor que o amor de Deus. O Evangelho que revelou o Pai indo ao encontro do filho pecador arrependido (Lucas 15), mostrou um relacionamento de filho adulto e livre e não mais de escravo e senhor, entre Deus e a pessoa humana.

O privilégio do filho e da filha de Deus é o de poder chamá-Lo pelo nome Pai (Abbá talvez é uma referencia à oração do Pai-Nosso, provavelmente ainda conhecido em aramaico por alguns que falavam e conviviam com Paulo: (versículo 15). Portanto o termo Abbá é um dos aramaísmos presentes no Novo Testamento, e dever ter impressionado de tal modo os cristãos que ouviam Paulo, acostumados a serem tratados como servos, que foi conservado na sua língua original.

 O fiel então levado pelo espírito de filho e de filha clamaria (cf. Lucas 1,46: Magnificat), Abbá. Acho porém que se deva dar ênfase ao verbo com um sentido de “proclamar”. E o Espírito dentro de nós nos leva a proclamar bem alto que Deus é nosso Pai. O Espírito então se une ao nosso espírito para testemunhar essa nova realidade. Em Gálatas 4,6 é Ele próprio que clama.

A segunda dimensão desta existência cristã é a de herdeiro de Deus (versículo 17). Aqui Paulo retoma o tema da primeira frase, e afirma que somos herdeiros. Sendo filho e filha, temos direito a uma vida de família e a organizar os bens da casa. O termo herdeiro não deve ser compreendido aqui no seu sentido moderno (receber após a morte do pai), mas no seu sentido hebraico de tomar posse (Isaias 60,21; 61,7; Mateus 19,29; 1Coríntios 6,9).

No Primeiro Testamento a herança indicava a terra prometida (Deuteronômio 4,21) e não incluía em si a morte de alguém. No Novo Testamento a herança é o Reino (Mateus 25,34) e a vida eterna (Mateus 14,29). Cristo pela ressurreição recebeu tudo isso do Pai e o dá aos seus irmãos que se uniram a Ele pelo batismo e com Ele sofreram por causa da mensagem proclamada.

Para exprimir essa filiação, Paulo usa o termo do direito pagão, não conhecido dos judeus: “adoção”, que integra totalmente o adotado na família, da qual ele recebe o nome, a herança e o privilégio de chamar o pai de família, papai. O fato de pertencer ao povo escolhido levaria a esta adoção (Romanos 9,4), mas na vivência histórica desta vocação, a lei causou a morte. Assim que na Nova Aliança não basta mais a pertença carnal para conferir a filiação e a dignidade de filho de Deus. É necessário renascer pelo Espírito (João 3,5). O que Jesus é por natureza, a pessoa humana é de direito em vista da adoção. 

Assim o Espírito que habita em nós nos faz herdeiros (cf. 1Coríntios 6,9-11; Gálatas 4,21-31; Romanos 8,15.21), mas por enquanto temos só a garantia (1Coríntios 5,5). O direito à herança plena teremos com a nossa ressurreição (1Coríntios 15,50).

Evangelho – Mateus 28,16-20. “Foram para a montanha que Jesus lhes tinha indicado”. A montanha reveste-se de um sentido teológico especial. Não se trata de uma indicação topográfica, mas de uma encenação típica para uma revelação. Há muitos exemplos no Primeiro Testamento. Mateus retoma este motivo com grande vigor. O lugar do importante ensinamento inicial é a montanha quando proclamou as Bem-Aventuranças (Mateus 5,1) que deu à doutrina aí proferida o nome de “Sermão da Montanha”. A “montanha” ganha novo relevo como lugar típico de revelação em Mateus 15,29, cuja encenação se assemelha até nos detalhes com Mateus 5,1. A Transfiguração de Jesus na “montanha” (Mateus 17,1-9), revela o Messias maior do que Moisés e Elias, os maiores do Primeiro Testamento.

“Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele”. Prostrar-se diante de Jesus é reconhecer a sua divindade sobre o céu e sobre a terra. Agora, ressuscitado, possui “toda autoridade no céu e sobre a terra” (versículo 18b). Essa autoridade plena, dada pelo Pai, é muito próxima da humanidade (Jesus “se aproximou dos discípulos”, versículo 18a). Não só está próxima, como é entregue à Igreja: “Vão e façam com que todos os povos se tornem deus discípulos” (versículo 19a).

Aponta-se no Evangelho de Mateus uma lista de cinco discursos de Jesus. Todos eles tratam do Reino dos céus. Considerando 28,18-20 como o último “discurso” de Jesus sobre o Reino dos céus, pode-se perguntar: que idéia ou teologia do Reino transparece nele?

Para desvendar isto precisa-se conhecer o gênero literário deste trecho. As derradeiras palavras de Jesus assumem também o procedimento literário que contem quatro partes:

uma introdução: “Jesus chegou perto deles, e disse a eles”
uma comunicação: “Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi
entregue”
uma ordem: “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as
... e ensinando-as...”
uma motivação: “E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação
dos séculos”.
Começando o Evangelho com uma referência ao Livro do Gênesis (e á origem dos céus e da terra e da humanidade, cf. Gênesis 2,4; 5,1) e encerrando-o com uma referência ao fim ou á consumação do mundo, o evangelista Mateus ensina que Jesus de Nazaré deu novos rumos à história da humanidade e das pessoas. Estes novos rumos têm suas raízes em Deus, que deu ao Filho autoridade para isso. Investido de pleno poder divino “no céu e na terra”, Jesus autoriza a Igreja para continuar esta missão, assistindo-a continuamente com a Sua autoridade divina. Ele transmite seu poder à Igreja.

            Cristo encarrega a Igreja de revelar a vida da Trindade através de sua ação missionária e sacramental. Ele está presente não só no rito batismal, mas também na missão da Igreja fundada por Ele. O Espírito anima os sacramentos e a vida missionária dos cristãos. Esta imersão de todos no mistério da Santíssima Trindade realiza-se não somente batizando, mas fazendo a todos os verdadeiros discípulos e discípulas.

            A missão universal da Igreja à luz da Santíssima Trindade (vida trinitária) está na sua essência. Ao anunciar o Evangelho da salvação, a Igreja propõe a todas as pessoas a realização efetiva de sua condição de filhos e filhas do Pai: a do Homem-Deus.

             Este Evangelho é o resumo dos principais de presença espiritual de Cristo entre os cristãos: o aspecto sacramental no batismo o missionário no envio à pregação universal e o divinizador na fórmula trinitária. Como tal, este trecho constitui a melhor glorificação possível para a Boa-Nova.

3- DA PALAVRA CELEBRADA AO COTIDIANO DA VIDA

            Dona Francisca é líder na sua comunidade. Numa reunião de um grupo, ela falou assim: “Faço questão de fazer o sinal da cruz bem feito. Não o faço a qualquer momento ou de qualquer jeito. Penso bem no sentido da cruz e das palavras que se pronunciam, referindo-nos a tão grande mistério da nossa fé. Eu o faço bem devagar, pensando bem nas palavras. Desse jeito, acho que já estou fazendo uma bela ação.”

            O senhor Luís observou: “o padre nos explicou uma vez que ao fazer o sinal da cruz, lembramos a presença de Deus em nossa vida: tocando a testa, lembramos que Deus está na nossa mente; tocando no peito, lembramos que Deus está no nosso coração, e tocando nos ombros, queremos dizer que Ele deve estar presente em nossa ação”.

            Foi aí que dona Emília, muito idosa e trêmula, que quase nunca falava na reunião, disse: “Quando eu me sinto muito só, faço o sinal da cruz bem devagar e assim eu sinto o Pai, o Filho e o Espírito Santo me abraçando, igual quando a gente carrega uma criancinha na hora de batizar!” Por estas palavras, dona Emília ganhou o aplauso der todos.

            A Palavra de Deus na liturgia de hoje nos apresenta a Santíssima Trindade como a melhor comunidade. Pelo batismo, somos mergulhados no mistério do seu amor, e nos tornamos participantes da vida trinitária.

            O mundo consumista de hoje fabrica deuses e facilmente nos submetemos a seus caprichos e seduções. Esses deuses favorecem a vida a uns poucos, gerando sofrimento e morte de muitos. O Único Deus verdadeiro é aquele que liberta para que todos tenham vida e vida em abundância (João 10,10). Esse Deus é nossa Mãe e Pai, nos dá o Reino em herança, adotando-nos como filhos e filhas, e elimina, pelo Espírito de Jesus, o medo que nos escraviza e aprisiona. Esse Deus se revela na prática cristã de nossas comunidades. Que vão refazendo os gestos de Jesus, até que o mundo seja transformado e tudo se torne posse da Santíssima Trindade.

            O batismo, feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, significa: consagração, ser marcado pela Trindade a serviço da justiça, dedicação total e entrega a tudo o que Jesus ensinou.

            Deus é nosso Pai comum. Nossa relação com Ele exprime o que há de mais íntimo e carinhoso. Podemos, pelo Espírito, chamá-Lo “Abba, meu Pai”, exatamente como Jesus o fez (cf. Marcos 14,36). Na condição de filhas e filhos, recebemos a herança do Pai, que nada reserva para si. Senhor e dono absoluto de todas as coisas, tudo nos dá. A síntese da herança é o Reino de Deus.

            Somos convocados a ser sinal do carinho do Pai, cuidando da obra que Ele criou, defendendo as pessoas, filhos e filhas de Deus, trabalhando para a vida ficar do jeito que o Pai sempre quis.

            Por que ainda existem discriminações e desigualdades entre nós, filhos e filhas de Deus? Como herdeiros (as) da Trindade, vivemos em comunhão, participamos da transformação da realidade atual, até que o mundo seja sinal do mistério de nosso Deus comunitário?

4- A PALAVRA SE FAZ CELEBRAÇAO

A fé cristã inclui o outro e Deus

Quando buscamos a Igreja para celebrar nossa fé, nós o fazemos não somente por motivos pessoais, mas por comprometimento com a comunidade e com Deus. Infelizmente, por causa da cultura individualista em que estamos inseridos, procuramos a Igreja “presos aos nossos umbigos”. Com dificuldades saímos de nós mesmos para o encontro da fé que inclui o outro e o Mistério de Deus que nos reúne. Essa mentalidade não é cristã, nem cristãs são as inúmeras expressões religiosas cujas celebrações não primam, pela comunhão de seus participantes. Uma religião vivida em sentido apenas vertical (eu e Deus), está longe do Evangelho e do caminho de Jesus. Nesse sentido pode-se perceber o corre-corre de pessoas a cada domingo numa paróquia procurando solucionar seus problemas, mas não querem compromisso com a Igreja e muito menos com o próximo.

A dimensão comunitária da fé e da celebração

Precisamos reconhecer e aprofundar o sentido comunitário da fé e da celebração, para que a mesma não se torne um aglomerado de pessoas que individualmente buscam a Deus. Somos um povo, escolhido e chamado por Deus para viver e celebrar uma só fé. Ser membro da Igreja significa estar aberto para os demais com os quais rezamos “Pai nosso” (e não Pai meu), com os quais afirmamos “Ele está no meio de nós” (e não ele está comigo) e com os quais aclamamos “a uma só voz”, Santo, Amém, Glória, etc. Mesmo as expressões mais pessoais das orações contidas na celebração remetem aos irmãos: “confesso a Deus todo poderoso e a vós, irmãos e irmãs”. Trata-se de uma sadia afirmação de subjetividade (aquilo que somos como pessoa, em nossa singularidade), que sempre leva em conta a alteridade (alter = outro) e a objetividade da fé: as verdades que para além de mim são o fundamento da vida cristã, independente da minha discordância, aceitação, sentimento ou percepção. Para ser cristão, é preciso viver sob o sinal da Cruz, que inclui a relação pessoal (vertical) e comunitária (horizontal), capaz de incluir e contemplar o outro.

5- LIGANDO A PALAVRA COM A AÇÃO EUCARÍSTICA

            Em toda a liturgia participamos mais intimamente da comunhão trinitária. Louvamos, agradecemos e suplicamos ao Pai, por Cristo no Espírito Santo, e somos renovados na certeza de sermos filhos e filhas e não escravos, promotores da vida e não destinados à destruição e à morte.

            Iniciamos a celebração em nome da Trindade que nos convoca, acolhe-nos e nos reúne como seu povo santo, consagrado ao seu louvor, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo.

            Na Profissão de Fé, renovamos nossa adesão, nossa fé em Deus Pai Criador, em Jesus seu Filho, nascido pelo Espírito Santo do seio de Maria, como Redentor, e no Espírito Santo, animador e santificador da comunidade até a plena realização do Reino.

            Na Oração Eucarística, entoamos com Cristo nossa ação de graças ao Pai e somos santificados pelo Espírito Santo. Com Cristo nos oferecemos ao Pai e na força do seu Espírito suplicamos para sermos perfeitos no amor e assumimos ser fiéis aprendizes e comunicadores da salvação a todos os povos, nações e culturas.

            Com a bênção da Trindade somos enviados em missão no mundo, como testemunhas da Páscoa, instrumentos de comunhão.

6. ORIENTAÇÕES GERAIS

            1. O sinal-da-cruz é a primeira ação litúrgica do povo de Deus reunido para celebrar a Eucaristia. A assembléia litúrgica se constitui em nome da Trindade – Pai e Filho e Espírito Santo. Torna-se, pois, significativo hoje solenizar esta ação inicial, através do sinal-da-cruz bem feito e cantado.

            2. Escolher um canto adequado para o sinal-da-cruz inicial. Um canto que reproduza a fórmula ritual “em nome do pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.” E nunca em nome do Pai em nome do Filho em nome do Espírito Santo, porque trata-se de um só Deus. Quando afirmamos em nome do Pai em nome do Filho... podemos cair no erro de saudar três deuses. Pior ainda quando faz repetição se acrescenta: “para louvar e agradecer” que é uma linguagem explicativa.

            3. A bênção da água e a aspersão renovando o batismo serão ritos muito significativos nesta festa. Somos batizados em nome da Santíssima Trindade.
            4. O conjunto dos textos bíblicos merece uma boa preparação por parte dos leitores e salmista para que sejam proclamados de “coração” e todo o rito da Palavra simbolize diálogo de Aliança da Trindade com a assembléia celebrante, sacramento da Páscoa do Senhor, acontecimento de salvação.

5. Como a Igreja hoje celebra uma Solenidade, as partes fixas podem ser cantadas, para se dar mais ênfase à grande celebração. Sugerimos as opções encontradas no Hinário Litúrgico do Tempo Comum (ano A).

6. O repertório litúrgico da solenidade da Santíssima Trindade está no CD: Festas Litúrgicas, I produzido pela Paulus.

7. Dia 04 é a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Jesus Cristo.

7- MÚSICA RITUAL

O canto é parte necessária e integrante da liturgia. Não é algo que vem de fora para animar ou enfeitar a liturgia. Por isso devemos cantar a liturgia e não cantar na liturgia. Os cantos e músicas, executados com atitude espiritual e, condizentes com cada domingo, ajudam a comunidade a penetrar no mistério celebrado. Portanto, não basta só saber que os cantos são da Solenidade da Santíssima Trindade, é preciso executá-los com atitude espiritual. A escolha dos cantos deve ser cuidadosa, para que a comunidade tenha o direito de cantar o mistério celebrado.

A equipe de canto faz parte da assembléia. Não deve ser um grupo que se coloca à frente da assembléia, como se estivesse apresentando um show. A ação litúrgica se dirige ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo. Portanto, a equipe de canto deve se colocar entre o presbitério e a assembléia e estar voltada para o altar, para a presidência e para a Mesa da Palavra.

1. Canto de abertura. Bendito sejas o Deus Uno e Trino. “Bendito sejas tu, Senhor...”, CD: Festas Litúrgicas I, melodia da faixa 15. Seu texto explica a comunhão do mistério da Trindade, que é “comunhão perfeita”.

Ensina a Instrução Geral do Missal Romano que o canto de abertura tem por objetivo, além de unir a assembléia, inseri-la no mistério celebrado (IGMR nº 47).

2. Hino de louvor. “Glória a Deus nas alturas.” Vejam o CD Tríduo Pascal I e II e também no CD Festas Litúrgicas I; Partes fixas do Ordinário da Missa do Hinário Litúrgico III da CNBB e também a versão da CNBB musicado por Irmã Miria Reginaldo Veloso e outros compositores.

O Hino de Louvor, na versão original e mais antiga, é um hino cristológico, isto é, voltado para Cristo, que exprime o significado do amor do Pai agindo no Filho. O louvor, o bendito, a glória e a adoração ao Pai (primeira parte do Hino de Louvor) se desdobram no trabalho do Filho Único: tirar o pecado do mundo, exprimindo e imprimindo na história humana a compaixão do Pai. Lembremo-nos: o Hino de Louvor não se confunde com a “doxologia menor” (Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo). O Hino de Louvor encontra-se no Missal Romano em prosa ou nas publicações da CNBB versificado numa versão que facilita o canto da assembléia. 
3. Salmo responsorial 32/33. Feliz o povo que Deus escolheu por herança. “Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança”, CD: Festas Litúrgicas I, melodia da faixa 16.

O Salmo responsorial é uma resposta que damos àquilo que ouvimos na primeira leitura. Isto mostra que o salmo é compromisso de vida e ele também atualiza e leitura para a comunidade celebrante. Primeira leitura, Palavra proposta e salmo Palavra resposta. Por isso deve ser cantado da Mesa da Palavra (Ambão) por ser Palavra de Deus. Valorizar bem o ministério do salmista.

4. Aclamação ao Evangelho. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito (Apocalipse 1,8). “Aleluia... Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Divino...”, CD: Festas Litúrgicas I, melodia da faixa 18. O canto de aclamação ao evangelho acompanha os versos que estão no Lecionário Dominical.

5. Apresentação dos dons. Nossa unidade na Trindade deve manifestar-se também na partilha. Devemos ser oferenda com nossas oferendas. O canto de apresentação das oferendas, conforme orientamos em outras ocasiões, não necessita versar sobre pão e vinho. Seu tema é o mistério que se celebra acontecendo na fraternidade da Igreja reunida em oração, na Solenidade da Trindade. “Ó Trindade imensa e una”, CD: Festas Litúrgicas I, melodia faixa 19.

6. Canto de comunhão. O Espírito de Cristo que clama: Aba, Pai! (Gálatas 4,6). “Deus eterno, a vós louvor”, CD: Festas Litúrgicas I, melodia da faixa 20.

O canto de comunhão deve retomar o sentido do Evangelho do dia. As músicas do CD: Festas Litúrgicas I da Coleção: Cantos do Hinário Litúrgico da CNBB nos ajudam a viver melhor o mistério celebrado. Para comunhão, sugerimos o canto que está no CD: melodia da faixa 20, que une a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia. Esta é a sua função ministerial. Na realidade, aquilo que se proclama no Evangelho nos é dado na Eucaristia, ou seja: é o Evangelho que nos dá o “tom” com o qual o Cristo se dirige a nós em cada celebração eucarística reforçando estes conteúdos bíblico-litúrgicos, garantindo ainda mais a “unidade entre a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia”. Além desse canto sugerido pelo CD, pode-se cantar: “Ó Trindade, vos louvamos, vos louvamos pela vossa comunhão”, Hinário Litúrgico III da CNBB, pag. 295.

8- ESPAÇO CELEBRATIVO

1. Preparar o espaço celebrativo de forma festiva usando o branco ou o dourado.

2. Para ajudar na reflexão e na oração da assembléia, pode-se colocar, em lugar digno, um ícone da Trindade e uma vela (única) junto ao ícone, como expressão de unidade.

9. AÇÃO RITUAL

Celebramos a Solenidade da Santíssima Solenidade. Deus Uno, que é comunidade de Três. No espelho da Liturgia contemplamos a nosso Deus que nos reúne para que, a seu exemplo e por seu convite, sejamos Nele unidos e manifestemos ao mundo seu amor realizado em Jesus Cristo.
            Enquanto as pessoas vão chegando canta-se: “Louvarei a Deus, seu nome bendizendo! Louvarei a Deus, à vida nos conduz”. (Orações e cantos de Taizé, n. 71).

Ritos Iniciais

1. Na procissão de entrada, convidar para participar pessoas batizadas e crismadas recentemente na comunidade.

2. Antes do sinal da cruz acender três velas unidas entre si pelo pavio, mencionadas acima, formando uma só chama. Se não for possível unir três velas num só pavio, acender três velas e depois juntar as três numa só chama. Depois de uns instantes de contemplação, o presidente da celebração convida a assembléia a traçar o sinal da Cruz saudando a Trindade em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

3. Fazer com especial atenção o sinal da cruz e a saudação inicial em nome da Trindade, aproveitando uma das várias opções cantadas. Outra alternativa é a saudação “f” (cf. 1Pd 1,1-2) proposta pelo Missal Romano, página 390, pois nos insere melhor no mistério. O persignar-se (sinal da Cruz) é o que temos de mais antigo da expressão da fé cristã no mistério da Santíssima Trindade. É a maneira condensada da profissão da fé e de todo o dinamismo da economia da salvação.

4. Ultimamente estão criando uma confusão em torno do sinal da Cruz, no início da celebração. Muitas comunidades guiadas por seus ministros (ordenados e leigos) iniciam a celebração convidando a assembléia a invocar a Santíssima Trindade. De fato, se estivermos atentos ao que fazemos e dizemos na celebração, constataremos, no caso do sinal da cruz, que não se trata de invocação. Até porque não somos que convocamos a Deus, mas é ele quem nos chama para tomar parte em seu ministério, constituindo-nos assembléia. Daí vem o próprio nome que nos designa: Igreja: assembléia dos convocados.

            5. Quando cantamos “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo...” devemos escolher cantos que respeitem a linguagem teológica e litúrgica.  A título de exemplo, comparem os seguintes textos:

6. Compete ao presidente da celebração (bispo, presbítero, diácono ou leigo/a presidindo a celebração da Palavra) pronunciar as palavras do sinal do cruz e não a equipe de canto como muitas vezes acontece. O presidente da celebração se apóia em sua condição de instrumento, na autoridade recebida contemplando o sacramento da Ordem e o sacerdócio comum dos fiéis. Ele age em nome do seu Senhor para dar início à celebração e fazer tudo o que faz.

A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco.

7. O sentido litúrgico pode ser proposto, através das seguintes palavras, ou outras semelhantes:

Deus, comunidade de amor, convida-nos, neste Domingo, a fazer de nossa própria comunidade uma experiência do amor-comunicação entre as três Pessoas da trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. A partir dessa experiência, somos também enviados, pelo próprio Senhor, a fazer novos discípulos em nome da Comunidade Divina.

8. No ato penitencial, realizar a aspersão da assembléia, recordando que somos batizados em nome da Santíssima Trindade. Outra opção seria fazer esta ação ritual após a Profissão de fé.

9. O Hino de louvor “Glória a Deus nas alturas” é antiqüíssimo e venerável, com ele a Igreja, congrega no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro. Não é permitido substituir o texto desse hino por outro (cf. IGMR n. 53). O CD: Festas Litúrgicas I propõe, na faixa 2, uma melodia para esse hino que pode ser cantado de forma bem festivo, solista e assembléia.

10. Na Oração do Dia, suplicamos ao Pai que sejamos perseverantes na verdadeira fé em todo o tamanho da Trindade.

Rito da Palavra

1. As leituras sugeridas pelo Lecionário, para esse dia, foram escolhidas levando-se em consideração a característica da Solenidade, portanto devem ser bem preparadas e lidas compassadamente pelos leitores.

2. Dar destaque maior à proclamação do Evangelho, que hoje pode ser cantado e o livro, incensado.

            3. A homilia, introduzindo ao mistério celebrado, poderá, após um silêncio orante, ser concluída com um refrão que ligue a mesa da Palavra com a mesa da eucaristia. Por exemplo: “Ó Trindade, vos louvamos (...) que esta mesa favoreça nossa comunicação!” (Hinário Litúrgico III, página 295).
           
4. Onde for possível após a homilia todos tocar no ícone da Trindade traçando o sinal da cruz.

5. Seria muito oportuno usar na Profissão de fé o Símbolo Niceno-constantinopolitano, que fala mais sobre a Encarnação do Filho de Deus e Sua divindade: “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito do Pai, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai”, isto é, da mesma substancia do Pai. Por ele todas as coisas foram feitas... Após a Profissão de fé realizar a aspersão da assembléia. Nas pequenas comunidades, cada um toca na água e traça o sinal da cruz. O esquema é este:

- Bênção da água
- Profissão de fé
- Aspersão da assembléia

6. As preces, como sugere o Missal Romano, são feitas do Ambão. As invocações podem começar invocando a Deus. Como por exemplo: “Ó Deus de bondade...” a resposta à oração pode ser cantada: “Ouvi-nos, amado Senhor”.

Rito da Eucaristia

1. Na Oração sobre as Oferendas invocamos o nome de Deus sobre o pão e o vinho, a oferenda de nós mesmos, com os dons que oferecemos.

2. Quanto ao prefácio: se não for cantado, quem preside procure proclamá-lo com ênfase, mas ao mesmo tempo calmamente, de forma serena e orante. Frase por frase. Cada frase é importante, anunciadora do mistério que hoje celebramos. Basta prestar bem atenção nelas! A boa proclamação do Prefácio, como abertura solene da grande oração eucarística (bem proclamada também), tem um profundo sentido evangelizador, pois, por seu conteúdo e, sobretudo, por ser oração, toca fundo no coração da assembléia.

3. O Prefácio é próprio da Solenidade de hoje que evidencia a atribuição da mesma glória às Três Pessoas Divinas. Outra ótima opção é o Prefácio VIII, proposto para os domingos do Tempo Comum, explicita mais a dinâmica salvífica do mistério Trinitário, a Igreja unificada pela unidade da Santíssima Trindade. O Hinário Litúrgico 3, páginas 65-68, propõe três melodias alternativas, inclusive na celebrações da Palavra. A melodia foi gravada no CD: “Ação de Graças no Dia do Senhor”, produzido pela Paulinas/Comep.

Ritos Finais
           
1. Na Oração após a comunhão, suplicamos a Deus que a comunhão no sacramento da Eucaristia, nos conserve na verdadeira fé.

2. As palavras do rito de envio estejam em consonância com o mistério celebrado: Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo. Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe.

10- CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A festa da Santíssima Trindade significa o apelo da intimidade de Deus a todos os homens e mulheres de boa vontade. A resposta não pode ser apenas um louvor desencarnado, mas o louvor da entrega de nossas armas e defesas, o desmantelamento dos muros e das paredes entre nós: em casa, na família, na comunidade, na sociedade, no bairro, e na grande sociedade nacional e mundial. A fim de que todos sejam um, e a fim de que a humanidade se torne uma verdadeira comunidade. E que esta nossa comunidade seja co o Pai e com seu Filho Jesus Cristo (1João 1,3) e com o Espírito Santo. Amém.

            Celebremos a festa da Santíssima Trindade, na unidade e na santidade.

O objetivo da Igreja e da nossa equipe diocesana de liturgia é ajudar os padres e as comunidades de nossa diocese e todas aquelas outras comunidades fora de nossa diocese que acessar nosso site celebrar melhor o mistério pascal de Cristo.

Um abraço fraterno a todos
           

Pe. Benedito Mazeti

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